Série:
Litera_Cultura in Reflexão
Como a pesquisa/leitura deste livro
impactou-me? (*)
(Livro: Iracema)
Obra: Iracema
Autor: José de Alencar
(originalmente: Iracema - Lenda do Ceará)
Gênero: romance brasileiro, publicado em 1865
Por Valéria Milanes*
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Imagem capa livro - 1 ed - 1865 ---
Na "insistência da venda histórica",
muito assim deveria continuar,
ao invés da hiperssexuaização
do corpo da mulher indígena ATÉ HOJE! |
Embora hoje - o que com certeza não houve possibilidade de fazê-lo quando da primeira leitura, a obrigatória, - tenha senso crítico e até, coerente atuação com relação à importância do respeito ao "diferente", inclusive culturalmente falando, e não desmerecendo a capacidade do autor, pois sendo fiel ao entendimento que 'compactuo’ com Shakespeare , verdadeiramente acredito que: 'o artista é espelho e crônica de sua época' , ainda assim a leitura/pesquisa do livro "Iracema", de José de Alencar - mesmo com todo 'romantismo implícito' - causa-me estranheza, perplexidade e um pouco de desânimo, não com a escrita em si, com os caminhos escolhidos pela (única) raça realmente mais importante neste lugar chamado Terra: a tal Humana.
Talvez essas sensações (ruins para mim - mas o que é ruim ou bom, se não decretarmos parâmetros?) sejam pelas explícitas formatações impostas, ou ainda pela total descaracterização de um povo (ou seria aculturação de centenas de povos?), mesmo sendo feito na obra em questão com ""certo romantismo"" (muitas aspas mesmo! não há romance em estupros...), que, sim, refletem o agir, e porque não dizer, o fluir, ainda no País, que foi encorajado dos anos de 1500, passando por 1865 (ano da publicação da Obra) e que, com toda evolução propagada, etc. etc. (quero realmente exagerar no etc.! para não dizer blá,blá,blá), com tantos ensaios, estudos, pesquisas, teorias de transformação benigna cultural, pseudo-valorização da diversidade.... Perdura até hoje!
Naturalmente não possuo aqui o espaço para a explanação de pormenores que geram e gemem essa triste certeza e desconforto, mas posso minimamente tentar explicar - ao menos como consciente descendente de Povos Originários -"indígenas"- (etnia Tenetehára) - esse desgosto que senti e sinto ao contato, não apenas com determinados livros, pois como já disse “refletem uma época” (ou assim deveria ser...), mas com raízes nefastas que são alimentadas e alimentadas não só ‘naquela época’... As do violência, do apagamento de Seres e saberes e da sobrepujança da ignorância.
Mesmo com toda a questão da importância da discussão multidisciplinar e histórica do nascimento de "uma Nação" - ou seria do Povo Brasileiro? Muitas dúvidas reais sobre esse "tal nascimento" por memória construída, inventada, diga-se de passagem e, em nosso contexto, dos caminhos da nossa Cultura (claro, abrangendo a nossa Literatura), que "justificam" que ainda no século XXI sejam obrigatórios determinados livros -, a questão muito mais pungente, mas convenientemente pouco notada, é implantação contumaz de valores padronizados, de geração em geração. Sendo complexo falar sobre aprendizagem para “Ser Mais ou Alguém”, quando não condiz com crescimentos para uma maioria e sim para uma minoria, com doses gritantes de sobreposição criminosa e tantas questões esdrúxulas, mortais e muito mais.
Assim sendo, entre uma leitura e outra (a obrigatória na adolescência e para o estudo atual) muitas impressões e certezas amargas no caminho, conhecimentos estes que talvez muitos não alcançarão por falta de real oportunidade de atingir um nível mínimo de reflexão, que, na verdade, nem é incentivado. Obrigatoriedade de conhecimento com paradigmas unilaterais geram, talvez, boas catalogações, porém duvidosa evolução. Abaixo, como exemplos, as 'interessantes lições obrigatórias’ que também ficam (implicitamente 'ensinado'), na prática e na cabeça de adolescentes, no inconsciente coletivo, seja de 5ª. série ou até mesmo do Ensino Médio (na verdade até depois disso, uma vez que esse livro, dentre outros obrigatórios, faz parte do Programa de Vestibulares Oficiais de 2017, 2018 e 2019), isso para mentes ainda em formação em tantos aspectos. E tudo fica no resumo assim, sobretudo ao chegarmos no tétrico capitulo final onde "tudo fica bem decretado, e o romance vai embora", temos no resumo da ópera:
___ a misoginia é comum - personagens femininas de José de Alencar, por exemplo, morrem... Sim, nesse caso a bela Iracema é bela, importante para satisfazer aos interesses da figura masculina, porém inferior em importância para avançar na vida (algo como “Escrita de Mulher não é Literatura”. E esse juízo de valor, na Literatura também, não é apenas ‘cultura ou costume’ do século XVI ou XVIII...);
___ a soberania, supremacia da cultura branca deve ser a única visível;
___ a valorização (ou a interposição) das "raças existentes” é algo puramente romântico - e no mau sentido desta palavra;
___ o diferente é mera alegoria de curiosidade (ou para bullying, chacota, talvez), porém o que deve prevalecer como “a verdade” são os valores reconhecidos e resguardados pelos “senhores”, os superiores (os ruralistas, os ‘donos das terras’, senhores feudais de ontem e dos dias atuais!); o 'status quo', o que convém... Mesmo gerando o esmagamento e perdição de identidades universais e únicas.
Grandes questões são importantes serem aprendidas, e apreendidas com técnicas, estudos, teses, livros..., principalmente se forem por contexto e objetivo de se buscar uma sociedade sadia e mais justa. Contudo, de suma importância as questões que precisamos promover esquecimento... Aquelas que precisamos desaprender! Sobre paradigmas contaminados (e suas consequências) que geram, inclusive, falsos alforriados. Sim, aprender a ler é importante, mas não reconhecer que necessitamos também saber “Desler” é negação de erros ou implantação infinita de falácias que auxiliamos e nos adequamos. Podemos pensar diferente de que esses erros ou esses enganos existem? Podemos até tentar... Entretanto, há provas reais do contrário, ou seja, não é isso que acontece até os dias de hoje e que é apenas à uma minoria que esses "valores” implantados favorecem?? - Pergunta retórica.
Falsos alforriados
"Extra! Extra!
Quem são? Onde vivem?
Como se alimentam?
Como se reproduzem?
Veja hoje, now, agora...
Sem marcada hora
ou prazer turístico
Nos cafofos, vielas, guetos,
periferias da nossa feliz_cidade,
digo, da nossa sociedade...
Os que para serem dignos de viver
devem trabalhar até morrer
Os invisíveis, inúteis, falsos alforriados
Os que têm vida porque insistem...
Os abomináveis rentáveis,
Os desvalidos marcados,
Os dormentes, que só devem,
é isso que merecem
- e para alguns nem isso.
Os nascidos já colonizados,
Os que só existem..."